Braço Mecânico
Projeto de Iniciação Científica
Introdução
O que significa mover-se, alcançar, agir — quando essas habilidades não estão mais acessíveis? Para milhões de pessoas com deficiências motoras, a perda da autonomia física vai muito além do corpo; ela transforma a identidade, a independência e a capacidade de participar plenamente do mundo. Em uma sociedade cada vez mais estruturada por interações — interfaces, gestos, automação — a ausência desse poder de ação deixa de ser uma limitação individual para tornar-se um obstáculo sistêmico. Este projeto começou com um desafio humano e técnico: seria possível projetar uma prótese que fosse não apenas funcional, mas radicalmente acessível? Poderíamos criar um sistema construído não para o mercado, mas para a pessoa — projetado com empatia e moldado pela necessidade, não pela novidade?
O resultado é uma prova de conceito funcional: um braço mecânico antropomórfico controlado por sinais eletromiográficos (EMG), desenvolvido com ferramentas de código aberto, métodos de fabricação de baixo custo e sistemas embarcados que transformam a intenção muscular em resposta física em tempo real. Mais do que uma integração técnica, trata-se de uma resposta ética: quem tem o direito de interagir — e em quais condições? Baseado em princípios de Interfaces Cérebro-Computador (BCI), o projeto traduz expressões biológicas — sinais elétricos do antebraço — em movimentos protéticos funcionais. Ele reformula a prótese não como uma réplica tecnológica de um membro, mas como uma ponte entre a perda de função e a retomada da agência. O sinal — antes silencioso — aqui volta a ser ouvido, não por meio da voz, mas através do movimento. O protótipo demonstrou tradução gestual em tempo real de forma estável e responsiva, sob condições de ruído eletromiográfico minimizadas.
No centro desta proposta está o que chamo de minimalismo inclusivo — uma abordagem de engenharia que elimina a complexidade, a exclusividade e o custo, sem reduzir a funcionalidade. Ao utilizar sinais EMG de superfície — baratos, não invasivos e biologicamente universais — o projeto propõe uma lógica protética escalável que dispensa sensores invasivos ou sistemas inacessíveis. Sua arquitetura foi propositalmente construída para ser modular, replicável e modificável — com peças impressas em 3D, sistemas Arduino e uma lógica de controle simplificada, facilmente adotável por estudantes, pesquisadores e profissionais da saúde. Mais do que uma solução de engenharia, trata-se de uma filosofia: a inclusão não é uma melhoria — é o ponto de partida. Em contextos como o Brasil, onde muitos enfrentam barreiras de custo e infraestrutura para acessar tecnologias assistivas, esse modelo mostra como sistemas abertos podem descentralizar a inovação e permitir sua adaptação local.
Com frequência, tecnologias assistivas são criadas sem a participação das comunidades que pretendem atender — trancadas em ecossistemas institucionais, precificadas além do possível ou projetadas a partir de suposições capacitistas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 2,5 bilhões de pessoas precisam atualmente de algum tipo de tecnologia assistiva, mas a maioria — especialmente em países de baixa e média renda — não tem acesso devido a barreiras estruturais como o custo, o estigma e a negligência sistêmica. Isso não é um problema individual — é um fracasso coletivo. Este trabalho propõe uma resposta alternativa. Ele se alinha a movimentos globais por próteses abertas, justiça no design e tecnologias descentralizadas — como os modelos da Limbitless Solutions, da Open Bionics e do Relatório Global sobre Tecnologias Assistivas da OMS — onde a inovação é devolvida a quem mais precisa dela. Imagine um adolescente em São Paulo, sem acesso a próteses comerciais, montando e personalizando este braço em um laboratório de escola pública. À medida que o projeto avança, o sistema incorporará testes com usuários reais e ciclos de feedback contínuo, fazendo do co-design parte essencial de sua evolução.
Como plataforma de pesquisa, o projeto contribui para o avanço de sistemas neuroadaptativos e robótica inclusiva. Seu design permite a futura integração de modelos de aprendizado de máquina para calibragem personalizada, classificação gestual refinada e sistemas de resposta adaptativa. Ele conecta design mecânico, processamento de sinais bioelétricos e software embarcado — criando um ambiente experimental para investigações em próteses inteligentes, fusão sensorial e IA centrada no ser humano. Mais do que uma solução funcional, ele oferece um modelo escalável de inovação interdisciplinar orientada por valores éticos. Este é um protótipo — mas também uma provocação. Um modelo de pesquisa aberto, pronto para ser testado, expandido e compartilhado por meio da colaboração acadêmica.
Essa jornada transformou minha compreensão da engenharia — não como uma série de obstáculos técnicos a serem superados, mas como um meio através do qual empatia se torna estrutura e intenção se transforma em código. Vejo este projeto como um protótipo não apenas de uma tecnologia, mas de um novo tipo de sistema: onde neurociência, ética e design convergem em nome da dignidade humana. E imagino um futuro em que alguém — talvez uma criança em uma clínica rural ou um adulto em reabilitação — levante o braço não com esforço, mas com naturalidade. Não como um milagre de máquinas, mas como um gesto simples e restaurado. Porque, nesse instante, o sinal não é apenas detectado — ele é reconhecido, amplificado e autorizado a mover o mundo.

Construção
Transformar os fundamentos conceituais deste projeto em um protótipo funcional exigiu que a fase de construção se tornasse o espaço onde a multidisciplinaridade se materializa. Ao cruzar neurociência, teoria protética e design mecânico, o objetivo foi criar um sistema capaz de interpretar sinais biológicos e traduzi-los em movimento físico controlado. Isso exigiu não apenas uma plataforma para aquisição de sinais, mas uma estrutura responsiva, modular e centrada no ser humano — capaz de refletir o movimento com intenção. Neste contexto, a construção tornou-se uma forma de pesquisa: uma maneira de manifestar a agência humana por meio da materialidade engenheirada.
Os componentes físicos da prótese foram desenvolvidos utilizando fabricação aditiva (impressão 3D), o que permitiu iteração rápida, baixo custo de produção e alta adaptabilidade estrutural. Cada parte do braço foi modelada para espelhar articulações humanas essenciais, ao mesmo tempo em que acomodava os sistemas eletrônicos embarcados. Servomotores foram integrados em cavidades específicas; o roteamento de fios e sinais foi incorporado ao próprio desenho; articulações foram planejadas com equilíbrio entre leveza, resistência e amplitude de movimento. A decisão de utilizar ferramentas de modelagem de código aberto e impressoras acessíveis ao público foi estratégica: possibilitou um protótipo protético que dispensa infraestrutura industrial, reduz custos e permite replicação em escala global. Assim, o método de construção refletiu os mesmos princípios de inclusão que orientaram o sistema como um todo.
A impressão 3D não apenas viabilizou as peças — ela redefiniu quem pode participar da construção. Ao adotar processos de fabricação acessíveis a escolas, laboratórios e espaços maker, o projeto desmantelou uma das maiores barreiras do design de próteses: a exclusividade. Estudantes passaram a construir, testar e iterar componentes físicos sem necessidade de equipamentos industriais ou investimentos altos. Essa lógica de construção se alinha aos princípios do hardware aberto e da justiça no design, oferecendo um sistema que é tão instrutivo quanto funcional. Em vez de perguntar “Quem pode pagar por tecnologia assistiva?”, este projeto convida a perguntar: “Quem pode construir, compartilhar e melhorar?”
Neste estágio, o ato de construir ultrapassou a mecânica — tornou-se um gesto de reapropriação. Projetar um braço protético com software aberto, materiais acessíveis e uma função bioelétrica é propor que a autonomia pode ser democratizada. O resultado não é apenas uma ferramenta, mas um modelo replicável: um sistema que ensina enquanto opera, se multiplica à medida que evolui, e redefine construção não como manufatura, mas como a arquitetura da inclusão.

Desenvolvimento
Com a estrutura física do braço protético concluída, o projeto avançou para seu maior desafio: projetar um sistema capaz de interpretar a intenção neuromuscular humana em tempo real por meio de sinais bioelétricos. Essa tarefa exigiu a construção de uma interface sensível e complexa, baseada na eletromiografia (EMG) — técnica que permite o acesso não invasivo à atividade elétrica do sistema nervoso somático, especialmente dos músculos do antebraço. Essa região, escolhida por sua acessibilidade anatômica e papel fundamental em gestos finos da mão, tornou-se o ponto de entrada neural para o controle do corpo mecânico.
Utilizando a pulseira Myo, o sistema capturou potenciais elétricos gerados por eventos de despolarização das fibras musculares, produzindo formas de onda analógicas representativas da ativação de unidades motoras. Esses sinais — conhecidos como potenciais de ação de fibras musculares (MFAPs) — são modulados por uma série de fatores fisiológicos e anatômicos: posicionamento dos eletrodos, impedância tecidual, espessura da pele e composição de fibras lentas e rápidas dos músculos envolvidos. Para maximizar a fidelidade do sinal, os eletrodos foram posicionados segundo os padrões do SENIAM, garantindo alinhamento com pontos motores e perpendicularidade às fibras.
A arquitetura de aquisição seguiu um pipeline multietapa. Primeiramente, foi aplicado um filtro notch para atenuar ruído de 60Hz, seguido de um filtro passa-faixa entre 20–250Hz — faixa que abrange os espectros fisiológicos do EMG. Após conversão analógico-digital (A/D), o sinal foi processado usando métricas como RMS (Root Mean Square) e iEMG, permitindo extrair características relacionadas à amplitude e energia muscular. Com essas métricas, o sistema conseguiu identificar padrões específicos de gestos, como flexão do punho, contração dos dedos ou fechamento da mão. Cada gesto classificado ativava comandos determinísticos enviados ao microcontrolador Arduino, responsável pelo acionamento dos motores de torque integrados às articulações do braço mecânico.
Essa cadeia elétrica-mecânica constituiu um sistema biomecatrônico fechado — uma rede na qual contrações musculares voluntárias, decodificação de sinais e execução robótica coexistem em tempo real. Ao integrar fisiologia neuromuscular com computação embarcada, o sistema não apenas simulou o movimento — ele simulou intenção muscular, recriando padrões de esforço, repouso e resposta. As estruturas “tendíneas” internas, compostas por cabos de aço trançado e calibradas com sistemas de molas, permitiram ao braço replicar dinâmicas biomecânicas, incluindo graus de liberdade para controle digital individual.
Embora o reconhecimento de gestos nesta fase tenha sido limitado a movimentos pré-definidos, a arquitetura foi desenhada para expansão. Futuras versões do sistema poderão integrar modelos de aprendizado de máquina para adaptação a variações causadas por fadiga muscular, deslocamento de sensores ou diferenças anatômicas entre usuários. Da mesma forma, mecanismos de feedback bidirecional — como LEDs, vibração ou resistência motora — poderão ser implementados para espelhar o papel da propriocepção, enriquecendo a experiência do usuário e promovendo aprendizado adaptativo. Assim, a prótese deixa de ser apenas um terminal de resposta — ela se transforma em uma extensão adaptável do sistema nervoso do usuário.
Esta fase de desenvolvimento demonstrou não apenas a viabilidade técnica da decodificação da intenção muscular, mas também reposicionou dispositivos assistivos como instrumentos expressivos de autonomia. Em cada contração que se converte em movimento, o sistema restitui algo mais profundo do que o controle: ele restabelece uma linguagem de interação entre o corpo humano e o mundo engenheirado.

Project
A culminação deste projeto resultou no desenvolvimento de um protótipo funcional: um braço mecânico antropomórfico capaz de transformar a intenção neuromuscular em movimento controlado. Projetado para simular movimentos voluntários a partir de sinais eletromiográficos (EMG) captados de forma não invasiva, o sistema constitui uma manifestação técnica e filosófica de uma visão de engenharia inclusiva — uma que articula os fundamentos da interface cérebro-computador (BCI) com a fabricação de baixo custo e os princípios do hardware aberto. Este protótipo não foi apenas construído; foi concebido como um instrumento de pesquisa, uma ponte entre a codificação neurofisiológica da intenção e sua execução material no espaço.
No núcleo do sistema encontra-se a pulseira Myo, utilizada como interface EMG de superfície. A atividade muscular do antebraço é detectada, processada e traduzida por uma unidade de controle baseada em Arduino, que converte os sinais em comandos discretos para atuadores servo. Do ponto de vista mecânico, o design emprega um sistema de atuação por tendões com cabos trançados e mecanismos de retorno por mola, simulando os padrões básicos da musculatura humana — possibilitando movimentos como flexão, preensão e rotação. Todos os componentes estruturais foram fabricados por impressão 3D e adaptados a partir de modelos protéticos de código aberto, com ênfase na modularidade, reprodutibilidade e eficiência de custo. O resultado não é um dispositivo assistivo finalizado, mas uma plataforma de experimentação — acessível por princípio, expansível por concepção.
A fase de testes teve como foco a avaliação da fidelidade da tradução entre sinal e movimento em condições controladas. Embora o sistema tenha demonstrado capacidade de acionar determinados movimentos com base em gestos definidos, emergiram limitações na discriminação gestual, estabilidade do sinal e responsividade em tempo real. Inconsistências eletromecânicas foram agravadas pelo desgaste físico do sistema de tendões, especialmente por atrito e concentração de tensão. Tais desafios não diminuem o valor da proposta; ao contrário, expõem as fronteiras técnicas da integração BCI em soluções acessíveis — fronteiras que agora orientam as próximas etapas de refinamento.
O projeto seguiu uma trajetória estruturada e investigativa: da análise do sinal neurofisiológico à interpretação digital e à expressão mecânica encarnada. Embora a implementação atual não incorpore controle adaptativo ou feedback contínuo, ela estabelece as bases para modelos de interação mais sofisticados. Como prova de conceito, o braço funcionou como uma sonda de pesquisa, revelando tensões fundamentais entre variabilidade biológica, limitações materiais e resolução de sinais. Mais que um produto, trata-se de uma exploração: o que significa projetar não apenas para o corpo, mas para a agência que nele habita?
Este trabalho não se encerra em uma resposta, mas se orienta por uma pergunta. Seu valor reside não na resolução, mas na provocação. Assim, o protótipo deixa de ser apenas uma máquina — torna-se uma hipótese encarnada: Como podemos construir sistemas que não apenas respondem ao corpo, mas sabem escutá-lo?

Prova de Conceito
Direções Futuras
Projetar o que ainda está por vir
Este projeto nunca teve como objetivo alcançar uma conclusão definitiva — ele foi concebido para inaugurar uma nova fronteira. Seu maior valor não está no que realizou, mas no que revelou: as nuances, contradições e possibilidades de construir tecnologias assistivas a partir de interações baseadas em sinais biológicos e materiais acessíveis. Em vez de evitar a complexidade, o projeto a enfrentou de forma direta. As imperfeições do sistema — fragilidades mecânicas, instabilidades de sinal e respostas limitadas — não encerraram a investigação; elas a aprofundaram. Ao traçar os limites dos métodos atuais, o protótipo se transformou em mais do que um dispositivo. Tornou-se uma lente: por meio da qual a relação entre intenção humana, interface incorporada e design ético pôde ser estudada, questionada e reimaginada.
As próximas iterações do sistema buscarão ampliar seu vocabulário gestual, incorporar algoritmos de classificação adaptativa e otimizar a arquitetura dos tendões com materiais mais resistentes e trajetos de menor atrito. A integração de feedback bidirecional — seja por meio de estímulos hápticos, sinais visuais ou resistência mecânica — será fundamental para transformar a interface de um sistema reativo em um canal verdadeiramente interativo. O design modular permitirá a substituição e personalização de componentes para atender diferentes perfis físicos, ampliando tanto o impacto técnico quanto humano da plataforma.
Para além do dispositivo em si, esta pesquisa convida à participação em uma conversa mais ampla: o que significa projetar interfaces que restauram agência em vez de impor abstração? Como tecnologias assistivas podem refletir não apenas funcionalidade, mas também dignidade? Ao buscar essas respostas, este trabalho se insere em um ecossistema crescente de tecnologias neuroadaptativas de código aberto, fundamentadas na equidade. Ele aponta para um futuro onde o acesso à inovação não seja limitado por custo ou localização, mas ampliado por conhecimento compartilhado, diálogo interdisciplinar e uma ética do cuidado.
O que começou como uma investigação técnica tornou-se algo maior — uma estrutura para imaginar como a pesquisa pode servir como ferramenta de libertação. As tecnologias mais poderosas não são aquelas que replicam o corpo perfeitamente, mas as que sabem escutar seus ritmos, suas imperfeições e suas intenções. Nesse espírito, a próxima fase desta jornada não é apenas sobre aprimorar a máquina. É sobre refinar as perguntas que fazemos a ela — e a nós mesmos — ao projetar sistemas que respondam não apenas ao toque, mas à vontade por trás dele.
Este projeto também marca o início de um compromisso de pesquisa de longo prazo. Meus próximos passos se orientam para o doutorado, onde pretendo aprofundar a investigação sobre interfaces neurais, sistemas adaptativos e o papel da inteligência artificial no futuro da interação humano-máquina. Tenho especial interesse na convergência entre IA e processamento de biossinais — explorando como modelos inteligentes podem personalizar tecnologias assistivas em tempo real e como esses sistemas podem ser projetados não apenas para performar, mas para adaptar-se com empatia. As pesquisas futuras se concentrarão na interpretação multimodal de sinais, em estruturas de IA inclusivas e em ambientes de prototipagem escaláveis que reflitam tanto rigor técnico quanto relevância humana. Por meio de uma pesquisa interdisciplinar avançada, espero contribuir não apenas para o desenvolvimento de sistemas mais inteligentes, mas para um futuro mais ético, incorporado e equitativo da interação.